Diminuição da pressão arterial e resistência a insulina são alguns dos benefícios
Comer menos vezes ao longo do dia ajuda a emagrecer. Essa frase parece óbvia, não é mesmo? Mas infelizmente não é tão simples assim.
O chamado jejum intermitente, prática na qual se omite uma ou mais de uma refeição(ões) do dia, ficando o praticante por até 24 horas sem se alimentar, tem ganhado cada vez mais adeptos no Brasil à reboque da febre da dieta paleolítica e também em função de algumas celebridades terem se declarado publicamente entusiastas do método. Porém, é necessário que haja muito cuidado na hora de falar sobre o assunto.
Para isso, darei eco ao posicionamento da Associação Americana do Coração (AHA, sigla para American Heart Association), publicado em fevereiro de 2017 na revista Circulation, acerca da relação entre jejum intermitente e obesidade.
Ao se analisar este tema é importante não se ater a questão do peso corporal. Afinal de contas, ao se manipular o número de refeições no dia e horário das mesmas, pode-se produzir também uma série de efeitos metabólicos – benéficos ou não – que precisam ser levados em conta. Exemplos disso seriam as alterações na glicemia (taxa de açúcar no sangue), no colesterol e em parâmetros hormonais. Dito isso, vamos a um resumo dos principais pontos do posicionamento da AHA que dizem respeito ao jejum intermitente.
Existem estudos sobre a aplicação do jejum intermitente para pessoas com obesidade?
Não é de hoje que a prática do jejum é usada com a finalidade de produzir perda de peso. Isto ocorre há muito tempo nos chamados “spas”. Ao se hospedar em um spa, alguns pacientes são submetidos a períodos de jejum com foco no emagrecimento.
Além disso, em algumas religiões, o jejum periódico é prática comum há séculos. Nesse sentido, estudos feitos com pessoas que se auto-declararam praticantes de jejum intermitente por razões religiosas, encontraram um risco menor de desenvolvimento de diabetes mellitus bem como de doença cardiovascular. No entanto, tais estudos são de natureza observacional, ou seja, de menor qualidade do ponto de vista científico. Estudos que não permitem estabelecer uma relação de causalidade, apenas de associação.
Tais estudos são incapazes de ajustar os grupos que foram comparados (pacientes que fizeram jejum intermitente versus pacientes que não fizeram) para fatores como: nível de atividade física, idade e tabagismo – reconhecidamente relacionados ao risco de diabetes e de doença cardiovascular. Além disso, estes trabalhos só avaliaram pessoas que jejuavam uma vez por mês.
O mesmo benefício pode ser visto em quem faz jejum de forma mais frequente?
Alguns estudos, tais como o “Malmo Diet and Cancer Study”, feito com 1.355 homens e 1.654 mulheres, mostrou que, em homens, o risco de obesidade era 2,42 vezes maior naqueles que faziam 3 refeições ou menos por dia em comparação com aqueles que faziam 6 ou mais refeições por dia. Estranho, não? Quem comia menos vezes ao dia tinha um risco maior de obesidade.
Será que estes indivíduos comiam menos vezes ao dia, mas uma quantidade calórica maior no final das contas? Estas informações não podem ser obtidas destes estudos. Outra pergunta: por que apenas em homens esta relação foi vista? Haveria alguma influência do sexo nesta questão? Também não sabemos. Isto mostra o quanto esta questão ainda tem muitas arestas a serem aparadas. Mostra o quanto o assunto é complicado. Parece simples, mas não é.
Com relação a estudos de intervenção, ou seja, estudos mais bem desenhados do que os chamados estudos observacionais, dois tipos de jejum intermitente foram analisados:
- Jejum em dias alternados: que consiste em comer no máximo 25% das necessidades calóricas diárias em um dia (no dia do “jejum”) seguido por um dia no qual se pode comer à vontade por 24 horas
- Jejum periódico: caracterizado por jejuar por 1 a 2 dias na semana enquanto se come normalmente nos demais 5 a 6 dias da semana.
Ao compararmos um método com o outro, observamos que o jejum em dias alternados produz uma perda de peso mais pronunciada. No entanto, ambos os métodos foram capazes de reduzir o peso corporal. Pode-se dizer que perde-se em média 0,75 kg por semana com o jejum em dias alternados enquanto que apenas 0,25 kg por semana com o jejum periódico. Sendo a perda de peso, no jejum periódico, obviamente, diretamente relacionada com o número de dias de jejum na semana.
Benefícios do jejum intermitente
Outros benefícios verificados com a prática do jejum intermitente foram:
- Redução consistente nos níveis de triglicérides, da ordem de 16 a 42%. Tanto melhor quanto maior a perda de peso obtida
- Diminuição da pressão arterial sistólica (máxima) e diastólica (mínima), variando de 3 a 8 % e 6 a 10 % respectivamente. Benefício este verificado apenas nos estudos que atingiram uma perda de ao menos 6% do peso corporal inicial
- Melhora da resistência à insulina, ou seja, o jejum intermitente foi capaz de melhorar a ação da insulina no corpo dos praticantes. Por outro lado, vale ressaltar que não foi constatado benefício nos níveis de HDL colesterol (o bom colesterol), e os resultados em termos de colesterol total, LDL e glicemia foram muito variáveis.
Havendo estudos que mostraram benefícios enquanto que outros não, podemos concluir que ainda há falhas nas evidências disponíveis. Os estudos existentes não apresentam em sua maioria um grupo controle, ou seja, um grupo de pacientes que tenham feito o tratamento tido como padrão. Além disso, a duração máxima destes trabalhos foi de 52 semanas (cerca de 1 ano). O que será que ocorre após um período de observação maior? Ou ainda: o que será que ocorre após cinco ou mesmo dez anos de prática de jejum intermitente? Haveria algum malefício ao se prolongar a prática do jejum?
Apesar de todos os benefícios descritos, não queremos que este artigo pareça um estímulo para que as pessoas façam jejum intermitente. Entendemos que dietas que estimulam comportamentos extremos, que dificilmente podem ser mantidas no longo prazo, assim como modismos ou mesmo terapias divulgadas como panaceias, devem ser desencorajados.
Permanece como recomendação o método convencional, ou seja, uma dieta equilibrada, prescrita por uma nutricionista, associada a um programa de exercício físico regular orientado por professor de educação física. Sempre tendo o endocrinologista como centralizador das ações de saúde e chefe da equipe multiprofissional.
Por outro lado, acreditamos que seguir estudando este assunto tão interessante seja de suma importância. Mais estudos, bem desenhados e com seguimento de longo prazo são muito bem-vindos, podem nos ajudar a entender melhor o tema e a tirar lições que possam ser aplicadas no tratamento da obesidade.